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POR QUÊ

Quantas faces o Mosqueiro hospeda?

O Mosqueiro é, por natureza, um bairro pesqueiro. A história e seus controversos limites comprovam isso. Banhado pelo mar de um lado e cercado pelo Rio Vaza Barris do outro, um dos extremos do bairro ainda serve como ponto de encontro desses dois gigantes aquáticos. O Mosqueiro é mesmo um bairro diferente. E nas duas últimas décadas, a localidade está ficando diferente até mesmo do que costumava ser. 

 

Parte da Zona de Expansão Urbana de Aracaju, o bairro e seus povoados, Areia Branca, São José e Robalo, vêm sendo motivo de cobiça por parte do mercado imobiliário e já virou morada de imensos condomínios fechados e mansões de veraneio. 

 

Aos olhos de José Firmo do Robalo, ativista social morador da Zona de Expansão, essa transformação foi muito rápida e violenta porque a comunidade “passa de uma característica eminentemente rural, com lavouras, com criação de gado, ovelhas e pescaria e muitos pescadores artesanais, para uma característica urbana mesmo” e isso “causou impacto para a população nativa e pobre por ser uma urbanização mais elitizada”. 

 

Firmo argumenta que esse tipo de urbanização causou esse choque porque “a tradição e os costumes de usarem essas terras para plantar, para pescar nos lagos e para diversão” são suprimidos com a ocupação desses espaços por grandes propriedades, o que deixa a população pobre “isolada e sufocada”. Para piorar, falta ambientes de lazer. O Mosqueiro conta com somente uma praça além da Orlinha Por do Sol, e não há nenhuma outra em nenhum povoado. 

 

Na contramão do crescimento populacional e do fortalecimento do turismo, a atividade pesqueira, tão importante para o bairro, vem numa decrescente. Em números, 70 famílias ainda dependem da pesca como fonte geradora de renda e atualmente existem 60 pescadores associados na Associação de Pescadores do Mosqueiro. Apesar de não parecer um número tão baixo, o presidente da Associação, o senhor Eleno reclama que os pescadores da região são muito acomodados e que não se mobilizam. Associação foi reestruturada há dois anos, após um hiato gerado pela pouca mobilização dos pescadores associados e já esbarra nesse problema novamente. 

 

A entrevista com Seu Eleno aconteceu no Restaurante Tanga Vuou, estabelecimento de sua propriedade em sociedade com sua esposa. A pesca já não é mais uma fonte de geração de renda, seus filhos também deixaram a pesca e hoje em dia trabalham em diferentes ramos. Apesar disso, o nostálgico pescador lembra-se dos tempos áureos de pesca no bairro, demonstra saudosismo ao falar de Zé Peixe, ou de quando entrava mar adentro com seus companheiros, ou ainda de quando fez cursos de especialização na Capitania dos Portos de Sergipe. As memórias de Seu Eleno pareciam um barco cheio de saudade. 

 

Heleno Feitoza é ex pescador e vive no Mosqueiro desde que nasceu, há 46 anos. Se tornou pescador profissional sob a influência do pai, também pescador e abandonou a atividade pesqueira há quase cinco anos. Preferiu se especializar e sair da pesca artesanal. Desde então desempenha a função de marinheiro de máquinas numa empresa contratada pela Petrobrás. Trabalha 28 dias embarcado no Rio de Janeiro e volta para 30 dias em casa. 

 

O ex pescador conta que valia a pena e dava para sustentar a família com o que ganhava pescando, mas hoje em dia não é tão rentável quanto antes. Além de um número menor de peixes, Heleno acredita que as vagas de emprego criadas com a chegada dos condomínios no bairro atraíram mais os moradores que pescavam. Ele avalia positivamente as transformações na localidade, considera que essas novas oportunidades de emprego trazem estabilidade aos moradores. “É mais certinho de carteira assinada”. 

 

Diante de um "novo Mosqueiro" que se renova todo fim de semana, os nativos se aproveitam de todo o conhecimento adquirido enquanto estavam ali sozinhos, e transformam isso em fonte de renda. A cocada com coco tirado ali mesmo, o caldo de sururu com o sururu catado ali mesmo, o caranguejo vendido ali na pista perto  da Orlinha, tudo isso sempre deu dinheiro para a população, e cada vez mais, o serviço de guiar os turistas por seu bairro também. Os pescadores agora tiram um tempo para levar os turistas para a Crôa do Goré e para a Ilha dos Namorados, isso significa menos tempo pegando peixe, como antes. 

 

Ao que parece, a peculiaridade de ser uma comunidade pesqueira vai se dissolvendo a cada nova alta temporada turística. E que cada vez mais, o Mosqueiro vai se elevando a reduto turístico da Capital. A imagem vendida deste lugar é a imagem de um paraíso muito convidativo, e apesar das inúmeras deficiências estruturais, como o sistema de transporte coletivo e a escassez de postos de trabalho, o lugar é mesmo um paraíso, e não somente pelo belíssimo por do sol na Orlinha ou pelas praias quase desertas. 

 

A cada clique do por do sol na Orlinha, o bairro vai sendo ressignificado. Hoje os turistas navegam pelo Vaza Barris e a população lhes vende comida e pilota as lanchas. Hoje, mais um turista vai ver de perto como é “exótico” esse fato de morar num lugar tão distante. Hoje mais um dono de chácara vai comprar o peixe ao resistente pescador local e servir à beira de sua piscina. Tudo isso, todo esse “ser ou não ser” que envolvido prova que o Mosqueiro é mesmo um lugar diferente. O Mosqueiro é mesmo encantador.

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